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Opinião | Filme de super-herói é arte?

Muitos diretores fazem fortes críticas aos filmes de heróis

Geraldo Campos02 de out. de 2023Atualizado em 02 de out. de 2023

Recentemente, Martin Scorsese cedeu uma entrevista ao QG em que criticou os atuais filmes de franquias e, entre eles, os de super-heróis, dizendo que essas produções “não são cinema de verdade". Outros diretores de renome como Alejandro G. Iñárritu, Ridley Scott, Roland Emmerich, Dennis Villeneuve e Francis Ford Coppola, também se mostraram grandes críticos desse tipo de produção ao longo dos anos. 

Para além dos diretores, Alan Moore, escritor de HQs como Batman: A Piada Mortal, Watchmen, V de Vingança, e outras dezenas de sucessos, também entra no bojo dos críticos aos filmes de herói. Em 2022, o então quadrinista cedeu uma entrevista à Variety, em que chegou a afirmar que há uma “infantilização” do público. “Essa busca por tempos mais simples, realidades mais simples - isso normalmente é um precursor do fascismo”, disse. 

Mas, antes de continuar o debate, é necessário, por óbvio, definir o que seria arte. Bom, aqui já entramos em um terreno muito arenoso, tendo em vista que a definição de arte mostrou-se dinâmica ao longo dos anos, pois, além de tudo, trata-se de forças sociais que buscam trazer legitimidade para aquilo que entendem por arte, ou seja, uma luta de classes e interesses. 

Vamos nos ater, então, a natureza dos filmes de heróis e blockbusters no geral. As produções se encaixam naquilo que se entende por Indústria Cultural ou Reprodutibilidade Técnica, conceitos de Theodor Adorno e Walter Benjamin, respectivamente, de meados do século XX. No primeiro caso, Adorno critica a Indústria Cultural que, como o próprio nome diz, transforma a cultura em um objeto de consumo em série, reduzindo problemas sociais e o debate público a meros arquétipos, onde são retratados os pensamentos e valores de uma classe dominante e não o interesse geral e de minorias sociais. 

Um exemplo é o Capitão América, personagem que exalta as cores dos Estados Unidos e exporta esses valores para o resto do mundo, como se fossem universais, por meio da magia do cinema. Em última instância, há um processo de alienação social. Já a Reprodutibilidade Técnica, discute acerca da perda da aura de uma obra de arte, vista que ela passa a ser reproduzida em larga escala cujo consumo, de certa forma, é banalizado. Como o que os streamings proporcionam. 

Assim, poderíamos pensar que uma obra de arte tende a se distanciar dessas características, ao passo que busca ser mais profunda e crítica, com o intuito de suscitar perguntas, e não pregar valores absolutos. É perigoso, porém, não cair em um discurso elitista, em que somente pessoas cultas teriam legitimidade e capacidade de apreciar tais “obras de arte”. 

Cabe entender, todavia, que há um desequilíbrio no consumo de filmes artísticos em relação as de puro entretenimento. Um desequilíbrio de consumo e investimento. Quando Scorsese diz que as grandes produções, em geral, “não são cinema de verdade”, é porque falta, justamente, o elemento “verdade”. Falta significado, em uma lógica que a técnica ultrapassa o discurso, cujo resultado é o empobrecimento do conteúdo.

E não haveria problema se esse tipo de filme não fosse a hegemonia do que se encontra nas salas de cinema. Não há nada de errado em buscar divertimento e distração. Mas é de se problematizar buscar só divertimento e distração, enquanto temas importantes precisam ser tratados e discutidos. Sobretudo, temas importantes sobre as realidades sociais de cada um, das especificidades de cada região do mundo, as quais Os Vingadores, não seriam capazes de entender. 

Definir se um filme de herói é arte ou não, na realidade, é um falso debate. O verdadeiro debate estaria no âmbito de se questionar "a quem interessa o que estou assistindo?". "Quem ganha quando opto por assistir somente aos grandes blockbusters em função de filmes autorais e/ou independentes?". "O que precisa ser dito e não está sendo dito?". Talvez essas perguntas, se feitas com sinceridade na hora de ir ao cinema, possam se desdobrar em efeitos maiores do que se poderia esperar.