QUADRINHOS | NOTÍCIA

Opinião | "Um Pequeno Assassinato", de Alan Moore, é como deitar no divã da autocrítica

Material foi lançado pelo Pipoca e Nanquim e conta com arte de Oscar Zárate

Geraldo Campos 09 de out. de 2023Atualizado em 09 de out. de 2023

Por vezes nos deparamos com o Histórias em Quadrinhos - sobretudo fora do mainstream -, que são como um soco no estômago. “Um Pequeno Assassinato”, escrito por Alan Moore com arte do argentino Oscar Zárate, e publicada lindamente no Brasil pela Editora Pipoca e Nanquim, é umas dessas obras que, não por acaso, venceu o Eisner de Melhor Graphic Novel em 1994. 

A HQ conta a história de Timothy Hole, um publicitário relativamente bem-sucedido na carreira e que precisa criar uma propaganda de refrigerante para a Rússia no pós Guerra Fria. No entanto, ao entrar de férias rumo à Inglaterra, ele começa a ser perseguido por uma criança misteriosa, e as diversas preocupações começam a culminar em uma coisa só.

O roteiro possui várias camadas, que vão da exploração do psicológico do personagem até questões de debate cultural. Na realidade, é quase possível imaginar, depois de lida a última página, uma continuação em que Timothy se levanta do divã e diz algo ao seu psicanalista. 

Neste caso, porém, a proposta de Moore é uma análise em que o analisando e o psicanalista são a mesma pessoa, numa autocrítica que, ao final, parece reconhecer alguma espécie de estoicismo. Não um estoicismo de autoajuda, mas como alguém que se reconhece estranho a si mesmo e que está, a todo instante, buscando se encontrar em meio a suas próprias contradições ideológicas, éticas e morais, que fazem parte do "pequeno assassinato".  

Para isso, no percurso para a exploração da psique de Timothy, os quadros de pensamento são fortemente utilizados. Porém, a peculiaridade da narrativa é fazer desses pensamentos não lineares. O protagonista viaja por suas memórias, indo e vindo entre coisas fúteis e imediatas, e outras importantes e complicadas. Tal recurso pode parecer, à primeira vista, prejudicial à fluidez da leitura, mas muito pelo contrário, a torna mais natural e verossímil. 

Como sempre há a obviedade de se surpreender com as histórias de Moore. A forma como, de uma hora para a outra, ele consegue imprimir uma carga dramática a um personagem que, até certo ponto, parecia ser totalmente passivo às circunstâncias que lhe eram impostas, realmente é impressionante. Em paralelo, Oscar Zárate, nos tira, em definitivo, dos quadrinhos mainstream, ao trazer uma arte que dialoga entre o expressionismo e o cubismo, criando uma atmosfera muito própria e original. 

Atualmente, "Um Pequeno Assassinato", que foi lançada aqui no país em 2017, está um pouco difícil de ser encontrado, mas vale muito a pena ficar atento para novas reimpressões ou caso encontre em um sebo de livros. A edição do Pipoca ainda conta com uma entrevista de Moore e Zárate, além de um prefácio escrito por Carlos Sampayo.