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Análise | Barbie

"Barbie é o retrato do fetichismo ao qual o cinema de blockbuster pode chegar"

Geraldo Campos20 de jul. de 2023Atualizado em 20 de jul. de 2023

Barbie é um truque de mágica. Você se senta em uma poltrona de cinema, as luzes se apagam e o grande espetáculo mágico se abre com uma referência ao icônico "2001: Uma Odisseia no Espaço." São apresentadas crianças brincando de serem ‘mães’ com suas bonecas bebês, até que surge a sombra da grande Barbie, tal qual o monólito do filme de Stanley Kubrick. As jovens então se rebelam, destroem suas bonecas, deixam a vida monótona dos serviços de casa e se lançam ao lindo universo do qual Barbie apresenta. ‘Tchau’ vida de dona de casa, ‘oi’ mercado de trabalho. Tenha um namorado, um carro, uma casa… seja a Barbie presidente, médica, física, diplomata, escritora Nobel. O que quiser! Assim começa a mágica. Uma grande peça publicitária de US$ 100 milhões revestido de um filme ‘subversivo’, de crítica social e a ponto de falarem: ‘quanta coragem da Warner e da Mattel em deixarem fazer um filme desses’.  

A linha de bonecas Barbie da Mattel criou vários estigmas e a ideia de padrão de mulher ideal à sombra de seu carro-chefe. O filme mais parece um arco de redenção da Mattel em mostrar que é uma empresa progressista e que você pode comprar as Barbies a partir de agora, colorindo de rosa seus acometimentos anteriores, ao invés de genuinamente se preocupar com as questões sociais. 

Apesar da amálgama de Barbies apresentadas (temos a Barbie estereotipada, protagonista e interpretada pela Margot Robbie, a Barbie presidente, a Barbie grávida, a Barbie médica, a Barbie sereia, a Barbie diplomata, a Barbie juíza, a Barbie Prêmio Nobel), a diversidade aqui mais serve de manobra retórica para manter o status quo, do que para promover mudanças substânciais. Colocar várias Barbies orbitando sobre a Barbie branca e hipoteticamente perfeita, será que de fato ousa e acrescenta aos problemas da sociedade? No final, o holofote é para essa Barbie. 

"Essa é a mágica. Eu faço de conta que critico, e você paga para me ver fazer de conta".

Se a ideia é incluir, por que não falar da empregada doméstica, da segregação de classe, da faxineira? Delas que não possuem um carro esportivo - como há no filme. Todas as representações de mulheres no longa são de classes privilegiadas, que alcançaram o sucesso liberal. Por que não falar daquelas garotas que sonhavam em ter uma Barbie e nunca puderem, mas que mesmo assim são influenciadas pelos estereótipos sociais? Por que não falar das mães que precisam trabalhar em condições precarizadas utilizando transporte público todos os dias? No pedestal que é colocada Margot Robbie, ninguém vai lembrar das Barbies da periferia do mundo. A sombra continua a pairar. 

É mais fácil o filme produzir novos filtros de Instagram, daqueles que embranquecem a pele, apagam ‘imperfeições’ e afinam o nariz, do que estimular a aceitação dos corpos. Essa é a mágica. Eu faço de conta que critico, e você paga para me ver fazer de conta. “Então o que você sugere para assistir?”. Veja “Que Horas Ela Volta?”. Tem na Netflix.  

A reboque de Barbie, o arco de Ken (Ryan Gosling), como uma paródia dos readnecks, talvez seja uma das poucas críticas que funcionem, mas que ao mesmo tempo mascara e amortizam todas as críticas que poderiam ser dirigidas ao CEO da Mattel (Will Ferrell). Aliás, quase todo o elenco interpreta personagens bobos, até os que não estão no mundo da Barbie, bem como o texto para a resolução dos dilemas finais que são extremamente expositivos. E é possível ser expositivo sem ser raso e ainda ser poético, como faz 'Argentina, 1985'.

Além disso, em determinado momento do filme, quando Barbie se aproxima de um canteiro de obras no mundo humano, é feita uma cena em que ela é assediada verbalmente de forma mais enfática. Os estereótipos sociais estão tão entranhados que o cinema ri. Ora, é lógico que o pedreiro será o mais assediador, afinal, são pedreiros. Não é? 

Barbie é o retrato do fetichismo ao qual o cinema de blockbuster pode chegar. Cínico e revestido de crítica social, o filme mais laureia os estigmas sobre os grupos mais vulneráveis do que realmente acrescenta ferramentas de combate a essas violências. Perdido em seu colorido e pseudo diversidade, o longa orbita ao redor da personagem branca e ‘padrão’, que ao final poderá ser comprada nas vitrines das lojas de brinquedo e reproduzida nos filtros de Instagram. 

Barbie

Ano::2023

Empresa::Warner Bros.

Gênero::Aventura/Comédia/Fantasia

Direção::Greta Gerwig

País de Origem::Estados Unidos

Duração::116min

Nota do avaliador:

Regular