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Análise | Oppenheimer

Filme faz de Robert J. Oppenheimer tão enigmático quanto os mistérios da física

Geraldo Campos 26 de jul. de 2023Atualizado em 26 de jul. de 2023

Sempre que se propõe ir ao cinema se espera uma experiência, não só assistir um filme. Christopher Nolan é um diretor que mostrou saber fazer isso do ponto de vista técnico, com fotografias lindíssimas em Dunquerque e cenários de tirar o fôlego em Interestelar e A Origem. Oppenheimer é uma produção diferente na carreira do diretor. Não possui paisagens pitorescas ou cenas frenéticas de ação. O roteiro se passa em corredores, salas de aula, laboratórios, mais salas, escritórios e no deserto. Tudo para contar a vida, as angústias, sucessos e fracassos envoltos em dilemas morais e no solipsismo de um dos nomes mais importantes da física do século XX: J. Robert Oppenheimer

Interpretado magistralmente por Cillian Murphy, Oppenheimer é apresentado como um estudante encantado pelo mundo a ser descoberto após os avanços de Albert Einstein e Niels Bohr - que pairam como entidades - sobre a mecânica quântica, com visões e sonhos com o universo dos quanta. Além disso, coloca as inclinações políticas de Oppenheimer à esqueeda e seu interesse por psicanálise. Enfim, situa o ambiente “intelectual” do personagem. Para quem gosta do tema, será um deleite, para quem não se interessa, pode parecer pedante. 

Todo esse repertório, porém, conversa com o desenvolvimento da bomba e com o final do filme. Os sonhos com elétrons e nuvem de possibilidades é substituída pelo clarão da bomba, pelas incertezas da Guerra Fria que começa a se desenhar e o macarthismo que faz de tudo um jogo político. São contrastes sutis que ao longo de três horas podem se perder, mas que estão ali.  

Nolan também se aproveita de fatos históricos para inserir a ficção. A ideia de que a bomba poderia causar um efeito em cadeia que poderia destruir a atmosfera realmente era cogitada. Oppenheimer, na vida real, não buscou orientação de Einstein, mas para o fechamento de história, com um diálogo final excelente com o criador da teoria da relatividade, funciona cirurgicamente. Para Oppenheimer, afinal de contas, a reação em cadeia aconteceu, mas no mundo político. 

A conclusão conversa inclusive com a frase de Einstein, que a sobre a mecânica quântica disse que “Deus não joga dados”. Niels Bohr, em resposta, disse para ele “parar de dizer a Deus o que ele tem que fazer”. Mas o que acontece quando o poder destrutivo da física está nas mãos dos homens?

Nessas questões que misturam física, política, moral e a psicologia do personagem, Oppenheimer é quase que impecável. Por vezes, porém, o texto não consegue passar a atmosfera do ambiente. Não fosse pela dramaticidade da atuação de Murphy que fala com os olhos e seus lapsos morais, bem como a poderosa trilha sonora, talvez isso ficasse mais evidente. No terceiro ato, por exemplo, Oppenheimer se torna um filme de tribunal, e falta um texto mais ao nível do que está posto, como “Os 7 de Chicago” consegue fazer. 

E por que o solipsismo? O grande criador de tensão do longa são as angústias do personagem. No entanto, a relação de Oppenheimer com os demais personagens não são tão desenvolvidas. A base é um aprofundamento e desenvolvimento de personagem nele mesmo, sem se pautar no apoio dos coadjuvantes. 

Isso é um problema? É uma escolha de narrativa. É inegável que em troca a atuação de Emily Blunt, que está tão poderosa quanto a de Murphy, acaba sendo subutilizada. Além disso, o impacto emocional da morte de Jean Tatlock (Florence Pugh) acaba não surtindo o efeito que poderia. Não só os casos amorosos de Oppenheimer são ofuscados como o nome de outros físicos gigantescos como Richard Feynman (Jack Quaid).

Robert Downey Jr., que possui um papel fundamental ao interpretar Lewis Strauss, está bem em sua atuação. Ele não rouba a cena ou tem momentos memoráveis, mas é muito bom vê-lo atuar com um novo vigor e maior dramaticidade. Por fim, Matt Damon, além de fazer um excelente trabalho, ainda consegue trazer os raros momentos de humor.

Oppenheimer é uma experiência cinematográfica. Com questões morais aprofundadas e não necessariamente respondidas, faz de Robert J. Oppenheimer tão enigmático e dúbio quanto os mistérios da mecânica quântica. O roteiro, porém, sacrifica parte do elenco ao investir unilateralmente na psique do protagonista, talvez a um custo alto. No entanto, é um filme notório, tecnicamente lindo e que coloca Cillian Murphy em uma de suas melhores atuações ao fazê-lo gritar em silêncio.     

Oppenheimer

Ano::2023

Empresa:Universal Studios

Gênero::Drama/Biografia

Direção::Christopher Nolan

País de Origem::EUA

Duração::180 min

Nota do avaliador:

Ótimo