Das HQs da DC Comics à Netflix. 'Sweet Tooth' originalmente escrito pelo renomado Jeff Lemire (Condado de Essex, Gideon Falls) ganhou sua primeira temporada no dia 4 de junho contando com oito episódios. Dentre os produtores da série estão envolvidos Robert Downey Jr., vastamente lembrado por suas atuações no MCU como Tony Stark, e sua esposa, Susan Downey.

Roteiro

A série segue exatamente a mesma premissa das HQs de Lemire. A Terra foi devastada por uma pandemia causada por um vírus chamado H5-G9, e nesse meio tempo, as crianças que nasciam eram hibridas entre humanos e animais. Elas eram imunes ao Flagelo (como ficou denominada a doença), o que levanta a dúvida se eles são responsáveis ou consequência da enfermidade.

Em meio a esse contexto a série nos apresenta o jovem Gus, um garoto meio cervo, e seu pai Richard Fox, que se esconderam numa floresta fugindo do Flagelo e de caçadores de híbridos. E é nesse ponto que a jornada do protagonista começa.

Pra quem leu as HQs pode de cara se assustar muito com o tom da série. A HQ é extremamente densa e sombria, carrega uma história com situações bem pesadas, diferente do que a Netflix apresenta. A série possui otimismo e um tom leve na forma de abordar o contexto; a própria paleta de cores é quente, os cenários são bem bonitos e vivos, e até o figurino é mais colorido.

Felizmente isso não é um fator problemático, pelo contrário. O cerne da HQ está presente, alguns dos diálogos do primeiro episódio são praticamente idênticos ao da primeira edição do quadrinho, e as mudanças que existem, em sua maioria, cabem muito para se fazer uma adaptação ao grande público.

Os Vários Núcleos de Sweet Tooth

Sweet Tooth possui vários personagens e se ramifica em três núcleos com histórias que se entrelaçam. A primeira e mais importante é a Jornada de Gus, aliado inicialmente com Tommy Jepperd e mais tarde com Ursa, formando um trio extremamente cativante, divertido e com uma química muito assertiva. O segundo arco possui um tom pouco mais sombrio e está relacionado ao Doutor Singh, um médico que sobreviveu ao surto do Flagelo junto com sua esposa, que mesmo infectada pelo vírus é a única pessoa a receber um tratamento experimental contra a doença; tratamento esse que passa a ser encabeçado por seu marido. Por fim, o arco de Aimee, que após sobreviver ao surto passa a viver num zoológico e conhece Wendy, uma garota metade porco, que se torna o gatilho para o início de uma reserva que protege os híbridos.

Todos esses três núcleos e personagens são muito legais de acompanhar, muito bem aprofundados e com ótimas motivações, e, ao final, começam a se cruzar.

Um ponto fraco no enredo está vinculado ao General Abbott. Talvez por quererem deixar a série com um tom mais leve, o antagonista está excessivamente cartunesco. Além disso suas motivações são pouco aprofundadas, diferente dos demais. Ele poderia ter um peso dramático maior, assim como Colonel em 'Planeta dos Macacos: A Guerra', mas acaba se perdendo numa caracterização muito forçada.

Vale ressaltar inclusive as semelhanças entre 'Planeta dos Macacos' de Matt Reeves e 'Sweet Tooth'.

Nos dois episódios finais, a história se arrasta um pouco, e algumas resoluções de roteiro podem soar clichês, previsíveis e meio 'deus ex machina'. Conduto, o empatia com os personagens é tão grande e possuem um poder de imersão ao universo tão potente que acabam disfarçando esses pequenos furos.

O Mundo de Sweet Tooth

Entre a ótima premissa e os personagens cativantes, analisando com olhos pouco mais atentos, pode-se identificar um universo de dinamização de mundo confusa e incoerente.

Inicialmente os recursos parecem escassos, uma pilha pequena carregada, por exemplo, parece ter valor considerável, e em outro momento um grupo de jovens rebeldes tem um QG com games de realidade virtual e carrinho bate-bate, parecendo não se preocuparem com o fornecimento de energia e produção de alimentos. Na verdade, o que se refere ao 'Exercito Animal', que luta pelos direitos dos híbridos, é bem fraco em seu desenvolvimento.

Toda a questão de como o mundo funciona é estranha, no episódio final Aimee entra num prédio abandono já há muito tempo e simplesmente tem energia elétrica. São pequenos furos que não necessariamente atrapalham a trama mas que descredibilizam aos poucos aquele universo. Isso também acontece com a sociedade em que vive o Doutor Singh, em que nada lá é explicado. Talvez tenha existido uma preocupação tão grande por parte da série em aprofundar seus personagens individualmente, que o mundo que os cerca acabou ficando cheio de furos e lógicas incongruente.

Sem dúvidas a Sweet Tooth possui um discurso com poder emotivo muito grande relacionado a família e esperança, que acaba por ser o mais impactante e valoroso na obra, disfarçando problemas mais técnicos pontuados no roteiro.

Outros pontos técnicos como trilha sonora, fotografia e direção de arte são bons. Figurino e cenários ficam responsáveis em trazer o ar de leveza que se distingue mais das HQs. As músicas se encaixam perfeitamente quando precisam emocionar, principalmente nos planos mais abertos que traduzem a jornada de Gus, e nos instantes em que o narrador interfere ao final de cada episódio, poetizando e apresentando contrastes nas circunstâncias de cada personagem.

Considerações Finais

Sweet Tooth apresenta personagens incríveis e cativantes, abordando uma premissa pesada de forma leve, otimista e com discursos sobre esperança e família muito fortes dado ao atual diagnóstico de pandemia de Covid-19 que o mundo real enfrenta. Mesmo com seus furos aqui e outros ali e momentos um tanto arrastados, a série se destaca por seus aspectos positivos e pela jornada emocionante do jovem Gus.